domingo, 18 de janeiro de 2015

Rotina

Acordei no meio da noite. Assustado. Por certo tempo perdi meu tripé: não sabia onde estava.  Um universo paralelo no meio de paredes assustadoramente brancas. Ângulos retos. Seria um manicômio? Não havia relógios ou lembretes, as horas desconhecidas. Toquei o corpo - com o tato reconheci as moléculas que me formam. Bem, pensei, não acordei metamorfoseando como Gregor Samsa. Às vezes, tenho vergonha de admitir, possuo medos tão infantis e me vêm uma vontade de escrever assim, do nada, justo quando a rotina medíocre me obrigaria a abdicar o ócio e trabalhar. Finjo, eu, então, nessas horas de distração frente ao próximo compromisso desinteressante, que sou um homem de muitas histórias e talentos. Um futuro poeta, talvez. As mãos mórbidas já as tenho. Vergonha. Apenas mais um comum nessas cidades espantadoramente cinzas - concreto mais que pessoas, como fomos parar neste estado? Tenho que por no papel, sinto que tenho, na verdade, não vejo ninguém por aqui - durmo e acordo, não sei o que é real, tudo passa como filme. Sem toque. Estou perdido - disse, anteriormente, sobre medos infantis. Desses medos tolos. Luz apagada. Barulhos no meio dessa madrugada, na cozinha. Não conseguir aguentar o dia seguinte. Você entende? Quero a liberdade. A mesma liberdade que senti quando você veio me visitar e me disse com todas as letras e intonações possíveis que sou um caso perdido. Caso perdido. Caso acertado. Quem enquadrou tudo isso? Também não sei. Na minha cabeça um show de coisas aleatórias vêm: Notas, bocas, pernas, compromissos. Cigarros. De cravo ou não? Parar de fumar. Coisas irreais. Livreto de viagens - transformar a vida de um pobre medíocre como eu em um João Miramar. Nostalgias vem como gravatas que encontro espalhadas pelo quarto. Ninguém disse que tudo isso é fantasia - nem mesmo eu. Em tempos de desordem generalizada, não há mais distinções sobre o que somos e sobre o que aparentamos ser. Mais café. Produzir, produzir. Ó vida de cão. Diabo, essa rotina é uma violência.
No quarto branco fingimos construir nossa história.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Natimorto.

Vejo uma grande depressão coletiva, um universo e momento de profundo desespero compartilhado. Os geniais e sensíveis optaram por morrer. Grandes sábios, abandonaram o mundo antes do colapso total. Não é possível que a vida se mantenha por muito tempo diante de tanto espetáculo. Grito: Há alguém real por aí? Real, digo eu, o que se abre para sentir. Sensibilidade inteligente é cotidianamente esmagada. Cobranças. Prazos. Supostas necessidades. O que faço eu me sujeitando a tudo isso? Por que tu, amigo, abaixa a cabeça passivamente? Caminho com marcas no pulso, sou uma grande hipócrita! Também não sei, companheiro, se há algo real em mim. Também me vejo como você, estou, também, vendendo minha alma com a plena consciência do ato terrível. Camarada, não conheço pessoas reais. O único espirito largo que cruzei, nas idas e vi(n)das, me foi roubado pelo destino cedo demais. Os sensíveis preferem morrer. Lembro de você, amor, das tardes largas de puro contato humano. Me espanto: O êxtase da minha conclusão é que não há, confie em mim, mais humanos.Cada alma tem seu preço. Cada relação, entrelaçada de grande superficialidade, a sua data de validade.  O sono me parece mais confortável do que encarar esse dia quente e previsível. Viver incomoda. A consciência de que traço meus passos de forma errada e os traçarei assim até a morte, é devastadora. Há em mim, um mundo completo, distante do que vejo lá fora. Olhar pela janela deixa mais claro que nunca serei daqui - independente de quantas cidades morar, não sou do mundo orgânico. Quero, me entenda, o mundo da minha mente. Como um natimorto, nascer e morrer no conforto de um útero, sem a experiência terrível

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Sublime

Observo enquanto ainda não descubro para onde vou. Minha casa é em todo o lugar e de cada morada, carrego apenas umas boas lembranças, uns baratos e histórias quaisquer. Caminhando sozinha, deslizando nos porres, com pés descalços, um chinelo na mala antiga, eis que lhe apresento o ídolo dos falsos. Na imagem sublime, se bobear, fui um vencedor. À minha maneira. Sempre, intensamente, à minha maneira. Não enxergo o futuro para onde vou, se pá, viro na próxima esquina. Poucas certezas que levo, não suportar essa prisão cotidiana é uma delas. Espero e desejo a liberdade, sem a pressa e impaciência juvenil. Como o cigarro que calmamente se consome em minha mão, aguardo sem medo o destino mover a próxima peça. Sem promessas e pressão o tempo passa, evito de reclamar, talvez esse presente palpável sempre fora apenas um sonho... talvez, amigo, nada disso vivemos de verdade. Não procuro mais teto. Recuso-me a reclamar a ausência de companhia para essa noite. Do desapego total, só quero lançar meu corpo no mundo. Genuinamente.