sábado, 1 de novembro de 2014

diálogo de surdos

Liberte-me, querido. Tenho apenas duas mãos e, como Drummond, o sentimento de um mundo. Meus pés, que muito descalços caminharam, hoje levam apenas um chinelo - sempre pensei que não precisava mais do que umas viagens, uns baratos e um chinelo para viver. Caminho, na Babilônia da minha mente sem rumo, sem saber pra onde. As ondas me batem, penso na vida, penso na morte e no que fazemos nesse mundo mecânico - oi bom dia como está. Ninguém se importa. Amigo, às vezes dói, mas não se importam. Meu grito surdo não é ouvido. Antes, pensava que minha liberdade individual - não, por favor, não me faça engolir esse mundo pronto - era tudo que preciso. Mas, caminhando na luta - e, há um tempo, me nego a abandonar ela- vi pessoas com fome. Vejo pessoas com fomes, orgânica - será essa mais difícil de enfrentar que minha fome por viver? De certo, é. Estou atravancada na contramão.

domingo, 28 de setembro de 2014

a gente continua

Quando você me pediu em namoro da forma mais estranha possível. Quando me olhava com cara de sapeca até eu ficar vermelha. Quando me ligava e eu amava o teu sotaque. Quando, deitado no meu colo, contava teus cílios e permitia que nossos corações ensaiassem juntos um samba. Quando, nas tardes de domingo, tomávamos nossa cerveja assistindo futebol e eu reclamava e você ria. Quando pensamos em viver juntos um mês, um ano, uma vida. Quando sabia exatamente onde queria parar. Quando acordava cedo só para te observar dormindo. Teu sono era tão pesado e gostoso. Quando você me puxava para mais perto de você durante inúmeras noites. Quando pensamos na nossa casa, no nossos cachorros, nos discos que teríamos. Quando eu tinha para quem ligar quando o mundo estivesse desabando. Quando eu ficava quieta só para te ouvir falar para caralho e rir de uma maneira gostosa. Quando os dias eram bons e a felicidade imensa. Quando pensei saber exatamente o que era o amor. Quando você segurou minha mão pela primeira vez e eu senti todo o meu corpo quente e acolhido. Quando roubou meu coração com recortes de poemas perdidos. Quando despejávamos sorrisos por onde passávamos e eu pensava que a vida teve que ser vivida até ali, só para eu cruzar contigo na esquina. Quando você fazia cócegas até eu odiar ter te chamado para vim. Quando eu te ligava por tudo e passávamos horas pensando no mundo. Quando, entre sorrisos, falava sobre nós dois e tudo virava música. Quando era impossível esconder o quão mais feliz eu estava. Quando meu sorriso era mais largo e, de longe, perguntavam o motivo dessa tanta felicidade e eu dizia que tudo era responsabilidade de um moço qualquer. Quando nos despedíamos entre abraços em rodoviárias. Quando eu achava que éramos o casal mais acertado de todo o mundo. Quando pensei que ficaríamos juntos até o fim e que você era a pessoa exata. Quando eu guardava o som de suas músicas no computador, só para ouvir no meio de uma semana pesada. E quando esse som me fazia tão bem. Quando você era a última pessoa com quem eu falava e a primeira, também. Quando você era engraçado e eu cabeça dura. Quando eu te contava cada detalezinho do meu dia. Quando você me abraçava no meio de um dia qualquer. Quando todas as músicas me lembravam você. Quando eu pensava ser o que você procurava, assim como você sempre foi o que eu procurei. Quando eu dormia com sua voz rouca falando sobre as coisas. Quando você reclamava das matérias do jornal enquanto eu passava o café. Quando fumávamos juntos nosso cigarro de cravo. Quando você insistia em falar teu francês errado enquanto eu escolhia mais um filme branco e preto. Quando você me ajudava. Quando teus braços foram o que me salvaram da queda. Quando você apareceu no momento exato da minha vida e fez um quadro sépia ser o mais colorido possível. Quando cantávamos juntos Os mutantes. Quando aprendeu a gostar de tropicália por mim. Quando eu reclamava da sua blusa polo amassada e quando eu a sujava com batom vermelho, só para te provocar. Quando não precisávamos dizer. Quando eu te entreguei o que de mais bonito guardava em mim. Quando trocávamos color e colos. Quando tudo deu um nó.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

não há beleza na loucura

Não, não há beleza alguma na loucura
tudo sempre termina do mesmo modo:

sem qualquer outra nota
para montar uma melodia
qualquer
              que dance
feito bailarina
nua                              na folha
de um branco virginal
tudo termina
                 o espetáculo terrível do fim
momento de drama
pra
             pausa seguinte
ataraxia
ninguém aguenta
sinto muito, só sinto isso
                                         essa natureza inconstante do ser
não sei o que sinto
um segundo atrás, eu sabia
              me lanço
no obscuro espetáculo da vida
                                    talvez, só queria teu carinho
a luz do espetáculo
         a próxima atuação
mas
ninguém aguenta
não há beleza na loucura
                  só versos sem rima
incapacidade de se relacionar
            pro fun da mente
incapacidade
                                   de dar a mão
perdi minha
 alma
          na última esquina

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Manifesto do só.

Gosto de estar assim: só. Totalmente só. Sem ninguém dividindo espaço na minha cama. Sem ouvir as frases clichês que nem me tocam mais, após mais uma noite. Sem me sentir tão vazia, depois de dever estar tão cheia. Só. Apenas eu e meu cigarro, numa noite em que os ventos insistem em se chocar na minha janela. Fazem um barulho que não me assusta mais, como já me assustaram, os reconheço e passo a ressoar na mesma intensidade. Quando estive na merda, naquele fundo do poço inimaginável, a solidão foi a única que poupou-me a sanidade. Nenhuma das companhias de uma noite se importaram, não havia sequer um número para discar. No fundo, todos os dias estou só. O que muda nessa noite, de um frio incrível e que me parece atemporal, é que, pela primeira vez, assumo-me sem medo. Tenho o êxtase da primeira descoberta.  Ainda não sei o que espero, muito menos o que quero ou irei fazer com essa informação. Contento-me em sentir essa sensação em sua parte orgânica. Convido-me a conhece-la de forma mais profunda. Quando chegar a essência da solidão, o que eu irei encontrar? Nesta noite não tenho medo dela.  Quando deixei de a temer, por certo aproximei-me, em anos, de dar um passo a mais rumo a autodescoberta que me lanço. Sem a temer, posso, enfim, deixar de aceitar migalhas de carinho. Cultivo, nesta noite, a esperança de voltar a caminhar e sair dessa inércia que, há tempos, me encontro. No climax do espetáculo da vida, encontro-me, contando a ela mesmo, os fatos mais importantes da minha breve existência. A solidão, meu amigo, a convidada inconveniente, mostra-se uma boa ouvinte aos meus projetos. Quero, ela sabe, terminar meu manifesto surrealista. Assistir Godard. Rever Persona. Sou, nesta madrugada, a expressão pura de Persona. Prefiro calar-me à vestir papéis. Sinto muito, ainda não estou preparada para aceitar mais alguém em minha caminhada.















quinta-feira, 7 de agosto de 2014

autobiografia em Ginsberg.

os ídolos da minha geração morreram pobres
abandonados
drogados e jogados em becos escuros
perderam a alma,  perco a minha
não a tive nessa noite
me transformo na fumaça do meu cigarro de cravo
trago, prendo, solto
solto-me por aí, sem destino
sem amor
me perdoe, ainda não acredito no amor - fardo dos mais cruéis
sonhos irreais de apaixonados
a perversa invenção da mente humana
apática
não sinto nada, sou sombra
em boeiros
em becos
a eterna sombra que observa a vida
sofre sente sofre chora grita como uma criança recém parida
do momento imperativo faço o nascimento
do outro lado do muro
serei sempre a que não cruzou o muro
a que gritou sem grito, que sentiu sem viver
a não compreendida
a puta louca infeliz modernista suburbana
a que nunca teve lar
a fumaça de cigarros alheios.

domingo, 20 de julho de 2014

Ariel

Uma doce jovem continua tocando seu violino, frente toda carnificina do panorama de Brueghel. A morte e a vida parece não toca-lá, segue assim, invisível. Intocável. O violino ocupa todos os espaços com notas dramáticas. Choros, sussurros, gritos. O dois possuiam uma vida própria. Uma solitária vida própria. O que aquela jovem fazia todas as noites? Penso que esse "não tocar" do mundo deveria ser desesperador. Mitos, imagens e dor. Uma porrada de dor sob a forma de poemas quase prosas. Observaria ela com aquele violino o dia todo. Não há pessoas ao seu lado - o mundo tinha um fluxo próprio. Pessoas. Trabalhos. Horários. Controles. Ela se desesperava com tudo aquilo. Aquela existência vazia, sem propósito algum e sem magia. Mas a existência dela, perdida, torta, sem rumo e com tantos medos também não seria digna de orgulho. Ela tocava. Chorava. Pensava nos grandes poetas já mortos. Aproximei-me de leve. Não queria espantar. Ela uma agente sem rumo do próprio destino. Produto de uma vida convulsionada. Não tinha uma voz doce, como pensei que teria quando a vi tocar. Não tinha forças ou perspectivas de melhoras. Aceitava, conformava, a derrota de sua felicidade. Alheia. À vida. À morte. Aos outros. À alegria e à tristeza. Já havia mudado de canto vezes demais. Procurado algo para lhe retirar a inércia em coisas diversas. Era, de certo, uma alma complexa. Entre as notas, que como um filho recém parido, não cessava o chorou, contou-me brevemente sobre tragédias gregas. Os olhos, negros, era um êxtase escuros - mergulhei-me neles enquanto dizia coisas sem sentido algum. Palavras saíam e eu me fixava no olho e na agonia, dela. Rezava, baixo, para deuses pagãos. Tocou-me, brevemente - como seria, eu vi, sua existência. Mãos secas. Alma ásperas. Corpo de todo um frio mórbido. Levaria, ela, para minha casa, esta noite. Sorriria para ela. Apresentaria a noite carioca e os poemas clássicos. Dizia, acompanhando o ritmo do violino - depois, de alguns minutos, percebi que som dele sustentava sua vida- que ela poderia correr. Agora. Para longe. Se trancar. Não acompanhar mais o show da morte. O espetáculo da superficialidade. Ela, Ariel, não precisava mais se prender a quase obrigações. Alguns nascem assim. Alguns são sensíveis demais para acompanhar a fornalha do viver. Ariel. Tal qual a suicida de Plath. Ariel. Nome doce, inofensivo, curto. Ariel, "Me arrasta pelos ares, -Coxas, pêlos; Escamas de meus calcanhares"

domingo, 18 de maio de 2014

vagamundear

Desço as escadas e me vejo observando minha alma - Todos de porre na cidade e ela também. Vaga como um zumbi, olhos roxos, corpo cansado. Uma alma sem corpo orgânico para ocupar. Há tantas coisas entre dois pontos, dois intervalos são maiores do que supomos - me diz ela, com a maquiagem carregada. E eu estava ali, não sabia meu lugar. Tive a certeza, quando vi a minha alma, que nunca teria um lugar - pagaria minha dívida com ela e continuaria a vagar, numa espiral de acontecimentos que são maiores e mais profundos do que pensei que fossem. As coisas, quando elas me tocam, sempre são mais profundas do que sinto que são nos outros. Há tantas coisas entre um bom dia sem sal. Há tantas coisas nestes dias mornos, entre a saudade que aperta o meu peito e o medo cotidiano. Eu olhava para ela, ela olhava para mim. Eu senti que ela me entendia - me entendeu mais que muitos. A minha loucura, no instante em que cruzei com a minha alma na escada, foi compreendida. - A sanidade não se vende como o teu cigarro, sorriu ela. Acolhendo-me. - A compraria também se fosse possível. Poderia batucar um samba, dizer coisas banais e nunca me assumir assim, como um ser extenso - quanta presunção, a dela. Viveria uma vida na superfície, se possível fosse. Não tentaria, também, entender o porquê dessa não-satisfação. Da tristeza que chega fina em dias pares. Seria, como queria ser, blasé - não queria, me entenda, que nada, nada e nada me tocasse. Um ser impenetrável. Eu queria ser o que todos são. Se bobear, eu tentei. De certo, falhei. Falhei em tantas coisas mais ao longo das horas, dos dias e dos meses que consumo - e que me consomem - num jogo de louco que ainda não entendi o porquê de existir. Pensaria num próximo amor no inverno. Escreveria sobre lábios tocando corpos e carinhos se misturando. Decoraria, de novo e de novo, tantos outros poemas piegas para declamar, em voz baixa e rouca, em ouvidos alheios que tão pouco o valorizam. Se eu amasse de novo, tentaria ser um novo alguém, não iria, eu prometo - a vida poderia me fazer cruzar com um novo amor, qualquer dia - que não iria tentar assusta-lo, como sempre tentei. É engraçado, eu e minha alma soltamos um riso frouxo quando lembramos como sempre tento assustar as pessoas. Eu prometo que decoraria coisas mais doces que a carta de suicídio de Woolf. Se fosse para eu me sentir menos sozinha, eu até tentaria limpar um pouco mais o rosto e embelezar um pouco a alma - largaria de tantas cores fortes, talvez. Assumiria, novamente, a minha vontade de ser compreendida, muito além do que sou nesses encontros casuais. Eu sei que ser amável não combina comigo, nunca me senti um alguém capaz de amar dessa forma bonita e limpa. Amo, brigando. Amo, gritando e vagamundeando. Amo jogando corpos, um contra o outro, até alguém - sempre eu mesma - me machucar.Tudo que eu sempre quis fosse um amor de um quadro cubista - de vanguardas loucas. Mas hoje, eu não sei, pode ser que me arrependa no fim da tarde, pediria com toda a minha força um amor calmo. Estável, Limpo e bonito. Mesmo que eu me enjoe da estabilidade até o fim da noite. Mas eu e a minha alma - percebi o seu estado quando a encontrei novamente- precisamos ser limpas. Precisamos descansar um pouco, tenho medo de não aguentar ficar bem se continuar assim. Queríamos - você, amigo, não imagina o quanto - uma rede. Um campo. Sem nenhum som. Só nós - eu, minha alma e um amor. Talvez, até mesmo, os textos melhorem se eu cruzar com um novo amor.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Moça de Brueghel

De longe sussurram que ela é louca. Tem cara de estar sempre bêbada. Despenteada, sem ânimo. Apática. Mensagens dizem para não fazer nenhuma loucura -  pasmem! Não deve existir loucura maior do que viver neste mundo. Com um pássaro azul preso no peito. Ela - coitada!- também prefere dar um vinho barato e fumaças a ele - não quer que ninguém o veja, como Bukowski fez. Como será quando ela ou alguém conseguir soltar esse pássaro? Terá então o grande êxtase de um nascimento real?   Há tempos a nossa protagonista já desistiu de se adequar, hoje, só sente preguiça. Preguiça de tudo - desse riso sonso da maioria das pessoas, dessa tentativa surreal de vender a alma para ser aceita. Dos demônios mortos um a um em nome de um modelo social. Todos tão iguais e padronizados. Ah, não há graça em viver! Esse maldito tripé. Sente preguiça da rotina. Das decorebas bobas e desnecessária. Ela, meu deus, já preferiu aceitar o mundo da sua cabeça.O mundo de poetas loucos e bêbados. Sem alma e sem amor. O mundo em que vê Woolf caminhando sobre o rio com seu casaco e sua pedra - a única experiência que nunca pode descrever. O que houve após a água queimar os seus alvéolos? Será que Woolf se manteve calma enquanto se despedia do mundo orgânico? E céu e inferno, será que existe, amigo? Sabe, às vezes tenho a impressão que ela é a moça do violino no quadro de Brueghel - tal como na tela, ela também não vê e não ouve a carnificina da vida. Viver às vezes incômoda, seria melhor ser algum sonho perdido de vez em quando. Deitar e não ouvir mais nada. Não ver. Não participar desse espetáculo que a vida.  Viver incômoda, é um sono perpétuo. Principalmente quando se sente um naufrago. Às vezes, ela sente vontade de invadir mentes alheias só para saber o que se sente quando se encaixa. Quando sabe com convicção que está no lugar certo, no momento certo. Saber como é se sentir completo.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Ataraxia

Depois de tantos dias em estado de coma - de um não sentir absoluto. Sentia nada, nem fome ou frio, nem alegria ou tristeza. Andava automaticamente seguindo o caminho oposto aos seus sonhos. Foi, durante meses, apenas um zumbi no interior de uma Babilônia de pensamentos confusos. Ora pensava em se jogar da primeira janela e ter um fim lindo, mesmo que trágico, dos poetas que amava, ora insistia que a felicidade era esse viver. Essa alma cigana e sem parada. Esse cinza dentro de mundos coloridos e bonitos. Uma migração constante e uma sequência de passos. A vida era um jogo de xadrez destinado ao fracasso. Tinha dias que ela ouvia o jazz sussurrado por seus demônios. Enfim. Hoje aquele ser de olhos pretos -com lápis machucando cada canto de tantas e tantas vezes usados- se olhou no espelho. Eu sei, caro amigo, que tudo isso parece uma bobagem qualquer, mais um fato do cotidiano banal,  mas alguma coisa aconteceu com ela quando se viu com a maquiagem cuidadosamente borrada na frente daquele espelho. Ela, aquele não-ser que parecia que iria se engolir na esquina, que só de a observar me fazia retorcer, se viu sorrindo enquanto observava um pequeno inseto se rebatendo à beira da morte. A luta pela vida daquele inseto que freneticamente movia as pernas enquanto tentava reverter a sua posição dorsal a encantava. Eu a vi. Ela sorriu com tamanha naturalidade que a vida poderia ter terminado ali. A vida dos dois poderia ter terminado no instante daquele sorriso e do lindo encontro entre finais.  Depois da dor de cabeça do último porre, a vida parecia enfim ter alcançado o estado de ataraxia - seria, por fim, a paz tão desejada? Desejo muito que seja. Acredite em mim, ela é tão bonita quando sorri sem jeito. Uma vez me disse, quando a perguntei do porquê da expressão sempre tão séria, que a vida a fez desaprender a sorrir. Ela tem um jeito de mover os lábios que parece voltar a ser uma criança boba brincando com os cachorros. Tenta carregar o mundo nas mãos mesmo quando atinge a amnésia alcoólica. Sente vergonha todas madrugadas. Procura em camas alheias o carinho que mendiga - veja, mesmo com a suposta aparência de independência que a cerca, às vezes ela só quer encontrar um canto para chamar de seu. Um pouco de carinho - não, nem amor ela ousa pedir. Carinho. Acolhimento. Braços quentes no fim de um dia exaustivo. Em dias ímpares, em que a vida parece ser menos pesada, me diz que felicidade não existe - não sei, também, ao certo o que existe e o que é sonho compartilhado por desconhecidos. Disseram que sonharam com ela - veja como a linha entre o real e imaginário é sempre tão tênue. No sonho, ela já estava em outra cidade - previsível como urinol de Duchamp. Ela migra tanto em busca de algo que nunca vai encontrar que, quando ela senta e assume sua derrota, só tenho a dizer que  é isso. Nunca se encontrará o que não existe, e para ela, tudo que quer encontrar é uma alma calma, é um sentimento, você entende? De estar bem, de estar calmo. A vida dela é tão non-sense e eu só queria registrar o sorriso, já me prolonguei demais.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Ao moço do violão.

Já é Janeiro. Adoro quando os dias passam rápidos e parecem parar justo aí - naquele acorde da música de Chico. Naqueles olhos negros. Na leveza em que a mão contornava o braço do violão, indo e vindo com as notas daquelas músicas que tu sempre soube que amei. A voz doce, o cigarro de cravo que parecia casar com o meu. Dois jovens perdidos que fumavam cigarro de cravo. Dei risadas diante dos nossos gostos estranhos.A menina-boba, tal qual a menina com a flor de Vínicius, ria desesperadamente daquele momento. Das coincidências da vida.

Deveria ser possível congelar esses momentos que nos transportam a outro mundo. Outro universo e que me fez, pela primeira vez, querer morar no teu braço. Ter um paradeiro certo. Eu gosto de estar em companhias constantes. Solidão plena me dá certa angústia. E a tua voz, o teu toque, só me fazia lembrar de samba. De bossa-nova. Do amor meio bossa-nova do nosso passado.

Dos filmes de Glauber no teu colo. Gosto do seu violão, apesar do nylon não ser minha corda predileta. Gosto das suas críticas sobre o Cinema-novo e de como você sabe o quanto eu o amo - gosto de suas frases soltas na parede do meu quarto. Das críticas sobre a tropicália e  do fato de me completar até nos gostos.  Amei o teu desenho de Terra em transe e da sua paciência em assistir filmes em preto e branco, sem dormir nem por um segundo. Somos o Padre e a Moça. A tua delicadeza em coisas pequeninas me encanta.

Gosto de estar aí, em um quase-total-amor  com cara do violão. O cara mais doce com quem dei a sorte de cruzar no último mês. O garoto-menino de sorriso fácil tão oposto a mim - todo completo, todo feliz, todo otimista e leve. Me deixa morar nesse azul, me deixa encontrar minha paz. Sua volta me fez ficar assim: escrevendo textos limpos, bonitos e doces, sem meio-amores.

Fiquei aqui, querendo ser sua música. Querendo ser levada por aí, junto com o violão, junto com você. E parar, talvez, naquela praia do sul que amamos. Os desafinados também tem coração. Não estou nem me importando com esse sentimentalismo em excesso que está brotando. Vamos, vem comigo, vamos nos perder em todas as esquinas, cantando Chico. João Gilberto. Citando Glauber. Sonhando, com um novo mundo. Cheio de boas-novas. Com a destruição do sistema.

Dois jovens. Loucos. Rebeldes. Gritos. Telegráfos. Pinturas cubistas. Você completa todos os meus pequeninos espaços.
às vezes, acho o amor importante.