segunda-feira, 9 de maio de 2016

Amantes

Sob o céu das grandes capitais: automóveis, compromissos, cinzas de uma paisagem monolítica. Vida-moinho aflita que grita e, como sábios ignorantes cheios de certezas, escondemos suas vozes com nomes de agendas. Em vermelho sangue os segundos são implacáveis- nos consomem. Não há tempo para a contemplação inocente de nossas incompletudes, a matéria do tempo presente é o vazio. O vácuo de vidas sem sentidos, automaticamente morrendo por um lugar improvável ao Sol. Sob esses céus, os poetas conversam com seus signos e sonhos. Há quem diga que céu de Belo Horizonte é mais azul que o do Rio de Janeiro. Pelo menos, é o que os versos dele me trazem - em azúis se desenham planetas, constelações, amores, desejos e o nós profundo e intimo, nós. Uma viagem silenciosa por um eu não palpável mas que toca. Não ousa pensar sobre o sentir, sente-se e é tudo. Para todos, dois taciturnos comuns que passam despercebidos na esquina, comprando o pão e o leite inflacionados do dia. Para eles, dois estranhos conhecidos que não trocam nada além de poemas e com isso se amam silenciosamente. Amor-malamor-desamor, numa ciranda infantil, de mãos dadas oferecem colo, ninho para os sonhos não compreendidos no concreto. A vida ambicionada do íntimo é delicadamente montada - não há mais fome de pão ou abraços, não há a carência que sufoca, o medo que aprisiona, o desejo de liberdade que angustia. Há dois pássaros livres que cantam.
- Aceita um poema de café da manhã?
É seis horas e ele já me oferece os dedos para sonhar. O dia caprichosamente se espreguiça, pintando uma espiral concretista de sentimentos. As palavras não esperam o Sol para me levar para lá - um mundo nosso, sem a criança pedindo dinheiro no farol de frente da janela do quarto vazio, sem barracos contrastando com a riqueza de poucos. As palavras, que vêm avoando de longe, me falam sobre a luta vitoriosa, o amor-coragem entrelaçando pernas e almas, sobre os cabelos-girrasóis compridos e os cílios longos mergulhados em verde-mundo-seu. Não se ambiciona a realidade, para eles, a poesia basta.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

A alegria é a prova dos 9

Há quem diga que a alegria é a prova dos nove e, hoje, aceito a teoria do meu conterrâneo Oswald - O Miramar que me fez sonhar com os livros itinerários e saudades da cidade-mundo desvairada. Recebi, diante da minha insignificância do ser que apaixonadamente significo, a missão de ter uma alma leve. "Que bom te abraçar assim, gosto muito da sua energia" me disse o amigo de outras horas e estradas, que levo comigo os sentires no peito. A frase que guardei junto  ao sorriso se fez sair pela manhã quando, por fim, cheguei ao espanto do reconhecimento - me vi assim, um ser com boa energia. As marés de dias passados, tão cinzas e pesadas, vem, pouco a pouco, deixando-se clarear pelo Sol do verão-inferno que, hoje, inevitavelmente me lembram o interior tão meu de São Paulo - a mesma garoa fina, as nuvens acizentadas que tanto já amei.  O dia de hoje nasceu pra me tirar os sentimentos, bons e de uma saudade-esperança. Veio junto as recordações de uma infância com abundância de amor e afeto - agradeço a mãe, o ser de mais amplo afeto que conheci, pela ousadia e coragem de se abrir para afetar e ser afetado, por me criar assim, um alguém disposto e crente em endurecer sem perder a ternura jamais. Acompanharam as lembranças da adolescência, os grupinhos de colégio, amores e desamores e, sobretudo, minha fiel escudeira da adolescência, a grande amiga-irmã. As histórias de Minas, o amor que começou com Gabriel Garcia Marquéz. Ouro Preto e suas ladeiras, irmãs de batalha aquela casa sempre cheia e eu não entendendo nada. Rio de Janeiro no comecinho, com seus grupos e carinhos. E com o mesmo Sol que, às vezes, a gente olhar e repentinamente vê uma gracinha.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

O amor, Maria?

O amor, dona moça, é coisa danada. É das insignificâncias mais bonitas da vida- digo insignificância porque o amor, quando é, é leve feito pássaro avoando efeitando céu. O amor é o barquinho na voz de Nara. É coisa que faz cócegas por dentro, aquece a barriga como chocolate quente no inverno. Danado de bonito, essa coisa de amor. Não é sempre doce, te aviso Maria. Tem dias que por dengo é mais vermelho do que merecia ser. Nem sei se o amor é vermelho, ele tem tanta cara de ser cor clara. Acho que o amor tem cor de algodão doce vendido na rua, aos domingos. Às vezes, o amor atravessa a gente, feito cavalo solto e você não consegue domar. Não adianta, essa coisa meio que vem pra gente não ter o controle.

Ah, o amor é tanta coisa, Maria. Se for uma menina de sorte, vai sentir. Os joelhos frouxos, o nózinho na garganta, o sorriso bobo brotando de cantinho. O amor primeiro nasce na boca, Maria. E não através dos beijos, mas dos sorrisos que ele traz junto. Depois vai pros olhos, ah, esses olhos tão grandes de coruja que tem ficarão com o mundo dentro deles.Você vai sentir medo, tentar fugir, ignorar. Mas o amor é feito samba, o batuque, que começa lá dentro, primeiro é pequeno e quando se vê já se derramou por você. É feito planta também, é difícil viver o amor se não for no coletivo. É as histórias de Zezinho, o banho de mangueira no verão. O amor é uma morada, uma paz de colo,  o sereno jeito do tempo desatar. O amor é dar as chaves. Ah, pequena, não feche suas portas para o amor. Eu sei, às vezes, o amor é ingrato - nestes dias, você vai chorar, se culpar por ter mantido o tantinho de esperança de amor dentro de você. Ele é bonito mesmo nestes dias, é a prova dos nove de que você, pequena, ainda vive. Então, se deixe viver o amor em sua completude de risos e lágrimas. Maria, o amor tem gosto de jujuba, de sorvete em dia bem quente, de colo de mãe pra pegar no sono.

O amor é tão bonitinho, Maria. Ele bagunça os cabelos, conta os cílios, mede as mãos, entrelaça-as em sonhos bobos. É bobalhão feito Dom Quixote. Amor é desapego, se jogar sem pensar. Ah, mocinha, você já quer dormir, né? Amanhã conversamos mais, vou deixar escrito aqui, ó, A-M-O-R. Até no papel ele fica bonito.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Menina-girassol

Desde pequena, Maria, foi menina-girassol. Ainda muito nova - novíssima! - preferia girassóis às pessoas - luz, de pequena clareira imóvel e só, no mundaréu de luzinhas que piscavam freneticamente. O ritmo, as luzes, os sons, atingia Maria no seu íntimo de vida. Maria, então,  cresceu enfeitiçada pelas histórias, histórias quaisquer, restinhos de agonia que frutificava junto a ela. Histórias que Zézinho contava na rua, histórias que ouvia -sempre quietinha- nos cantos. Apaixonou-se pelo silêncio confortável de quem mais observa que vive. Silêncio eterno viajante. Maria se apaixonou pelas janelas de ônibus, às vezes, pegava os maiores caminhos só para sentar nas janelas e junto ao silênico, se aproximar de sua zona eterna de conforto da imaginação. Maria se encantou por cidades calmas de ruas de ladarinho antigo em que, por vezes, sonhava ouvir suas notas como num samba antigozinho. A menina-girassol desembocava no mar - todas as manhãs! Entre automóveis e pessoas-maquinas, com tão poucos moinhos-afetos, Maria insistentemente sonhava.

domingo, 20 de dezembro de 2015

ânsia de tudo

Ânsia de ser um átomo, retornar à matéria-princípio que me forma. Rodopiar, no meu eixo intocado, feito bailarina-fantasma de um mundo que assisto passar sem tocar. O delírio é o meu primeiro ato, princípio e fim da existência não concreta. Quem me dera não mais viver até a primavera mas me lançar no espaço sem passado ou futuro. Aqui, o choques são doloridos: ou machuco ou me matam. Sem sucesso, tento, insistentemente, me libertar dos pensamentos. Cálculos, hipóteses, lágrimas. No próximo tempo, a queda será minha.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

não-afeto.

Afeto, entrega, capacidade de se deixar afetar por algo, alguém. Há feto no afeto? Antes dessa palavra existir o que diria os romanos de César, o grande, para o amor no afeto? Feito animal recém parido nunca fui boa com afetos. Inabilidosa desde o berço, alguém, pelo simples entender das mãos me fazia chorar. Escrevo para você me entender. Para entender a minha não entrega genuína. Ao mero sinal de carinho sempre acuei, tremi, vacilei, fugi. Me dói no orgânico e real de mim. Um cachorro recém parido implora mudo o não-afeto enquanto nós, na inocência vulgar de humanos, o pegamos. Já observou um cachorro ainda envolto por sua placenta? O olhos não se abrem de imediato. Há tempo, intervalo, preparação. Há medo. Um isolamento natural e necessário - tristeza não é necessariamente ruim. A entrada de luz nas pupilas virgens pela primeira vez, o sentir do vento no corpo até então imaculado. A derradeira do fim do silêncio. A ameaça cruel e violenta do afeto. Iminência da necessidade de viver. Me desculpa se eu não consigo deixar meus olhos repousar sem culpa na janela de um ônibus, se minha mente é sempre assim - um eterno pesar. Escrever é o único modo de descobri de despir os fatos e sensações, tiro as roupas peça por peça, calma e doloramente. Eternalizo-os no silêncio mumificante da folha branco virginal. Todo dia é meu parto e arco com as consequências.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

parto-me

Hoje, tudo me toca. O absurdo do silêncio. O abismo que se anuncia em minha janela, toda a manhã. A sirene do nascer do dia. O (ir)remediável espanto do parto - os olhos que, sem jeito, tentam, novamente, se adaptar a luz que me invade. Lembrete, em batom vermelho, do meu corpo orgânico. O ar preenche todas as minhas lacunas -milhões de molécula que em sua vibração me fazem sólida. Disseram-me que o primeiro choro de todo o bebê é choro de dor, de espanto, de medo - o ar entrando em álveolos virgens. Não há ninguém ensinando, a cada manhã me jogam a bicicleta da vida, -Ande-a, gritam comigo! Minhas pernas, trêmulas e desajeitadas, não racionaliza o ato. Anda-se e vive-se. É tudo que há. Há e ainda sem escolha. Existe-se e ponto. Nem sequer há uma só voz humana. O universo é uma senhora muda e ranzinza gozando com minha inabilidade de ser.